Trabalho sério é coisa rara, ainda mais sem fins lucrativos. No meio futebolístico, então, nem se fala. Hoje, se algum jovem busca o sucesso como jogador de futebol, com certeza deverá desembolsar alguns milhares de reais com empresários e garantir patrocinadores para que seu sonho se realize, além de deixar sua família e muitos amigos para trás.
Pensando nisso, o segmento mais atingido pelas altas cifras do futebol profissional foi a várzea. Local que, em um primeiro momento, foi responsável por revelar os nossos craques de bola, hoje, depende da boa vontade e solidariedade das pessoas, características raras atualmente, ainda mais nos bastidores do futebol.
Não é o caso de Xavier de Santana, fundador, presidente e técnico (na várzea, o acúmulo de funções é comum) do time Grêmio Recreativo Limpadora Xavier. Santana, que hoje é dono da empresa homônima ao time, localizada na Casa Verde, viu uma oportunidade, em 1981, de fazer o que mais gosta.
Na época, com seus 30 e poucos anos, Xavier não queria apenas jogar futebol, mas, sim, que todos tivessem um lugar para jogar com os amigos o esporte que amavam, além de poderem sair da dura realidade que muitos jogadores da várzea vivem. Uma realidade que, para muitos praticantes do futebol de várzea, não oferece saída e nem esperança. Neste cenário, podemos dizer que o trabalho de Xavier vai além do futebol das quatro linhas.
A união, fator básico para qualquer esporte praticado em equipe, já vem de fora. Todos do time se conhecem e se respeitam, ainda que, de tempos em tempos, a equipe seja renovada. Os craques de cinco ou dez anos atrás, hoje com mais de 40 anos, disputam campeonatos de veteranos, enquanto os mais jovens ascendem ao time. Uma “limpeza” renovadora, sem perder os laços que ligam gerações de boleiros.
Brincadeiras à parte, risada e muita parceria são ingredientes que alimentam ainda mais a amizade de todos os integrantes do time. Antes do jogo, é claro, os agradecimentos e as orações colocam todos no mesmo patamar, para que no campo os vencedores sejam aqueles que mais se divertem – ainda que saiam algumas faíscas contra o time adversário.
Resultado de toda essa relação de amizade? O time está há 20 jogos invicto neste ano, disputando contra times de várzea de todas as regiões da cidade, geralmente no campo localizado no Jardim São Bento. Sorte? Coincidência? Não somente. Amor pelo esporte e respeito pelo próximo, sem perder a ternura, diria o poeta.
“Isso aqui é a minha terapia”, diz Xavier. E não só para ele, mas para os jogadores que levam seus filhos para curtir o futebol de seus verdadeiros “ídolos”. Terapia para os pequenos que tentam imitar seus pais, se divertindo, ajudando o time. E terapia até para nós, jornalistas, que tentamos, ao menos, traduzir todas essas emoções.
Determinações como “cerveja só depois do jogo” – a clássica resenha – e “jogo coletivo sempre” são a base do time Limpadora Xavier. Lá, todos podem jogar sem desembolsar um centavo: basta montar um time que saiba o que fazer dentro de campo. Gols, principalmente. De acordo com Xavier, “todos vêm para jogar. Por isso, preciso dar espaço a todos. Aqui não é profissional, e se o pessoal quiser jogar sério, mas também se divertir, sempre será bem-vindo”.
Nesses mais de 30 anos de história, craques do futebol brasileiro e até atores de TV já chegaram a pisar nos gramados da Limpadora Xavier. Edmundo, Djalma Santos, o ator Eri Jonhson e outras personalidades já compartilharam suas habilidades com o time.

Além disso, em meados de 1990, o time era reconhecido por diversos clubes grandes de São Paulo. Tanto que o time de Xavier chegou a fazer jogos-treino com os profissionais do São Paulo F.C. e do Juventus. Nos dois jogos a Limpadora foi derrotada, porém a diferença foi apenas de um gol.
Muita história e tradição, assim como o futebol. Esse é o time da Limpadora, que entre conquistas e a realidade por vezes dura, consegue fazer com que seus jogadores se sintam renovados para mais uma semana de luta.
fotos: Bruno Viterbo/Gregório Torossian