::: Bruno Viterbo
O termo “nacionalizar a campanha” ganhou novos contornos nesta semana. Entende-se por nacionalizar não somente referir-se a temas de abrangência nacional, mas fatos ou pessoas que estejam fora da disputa municipal. Em São Paulo, o maior colégio eleitoral do país, a nacionalização da campanha subiu mais um grau com o debate realizado pela TV Gazeta, Estadão e Twitter no início da noite de domingo (18/9).
Como na maioria dos debates, o formato engessado – para supostamente não favorecer nenhum candidato – dá margem para desvio de temas e serve apenas para ora falar de propostas, ora aliar-se às ideias de um concorrente, ora para atacar. Debate, puro e verdadeiro, inexiste.
A nacionalização das campanhas tem vários vértices: a começar pelo PT de Fernando Haddad, envolto em mais uma acusação contra o ex-presidente Lula, pediu aos prefeituráveis que defendam o legado do líder da sigla. Já o PSDB de João Doria incluiu na campanha o apoiador Geraldo Alckmin, governador do Estado. Marta, agora no PMDB – partido do recém-empossado presidente Michel Temer – ainda não “nacionalizou”, mas virou alvo dos rivais durante o debate.
O encontro televisionado começou com uma pergunta incômoda justamente para Marta: a saída do PT para o PMDB. A senadora alegou que foi “uma decepção enorme, desiludida não só pela corrupção, mas pelos dirigentes”. Completou dando apoio à Lava-Jato, “e que vá até o fim com todos”. Para confrontá-la, Luiza Erundina, que também saiu do PT e atualmente está no PSOL: “A candidata é incoerente. O PMDB é o partido do 9Eduardo) Cunha, não há partido mais abjeto que esse”. Marta defendeu-se afirmando que não lhe pesa nenhuma acusação em 30 anos de vida pública.
Outra polêmica nacionalizadora veio logo depois. Celso Russomanno afirmou dias antes do debate que sua campanha “naufragaria” se emitisse alguma opinião sobre a jornada de trabalho aumentar para 12 horas – fruto de uma trapalhada do ministro do trabalho. Certamente, a fala virou munição para perguntas de jornalistas e dos outros candidatos, até então poupado nos outros debates. Russomanno deixou claro que “é contra tirar qualquer direito dos trabalhadores” e envolveu outra polêmica: o Uber.
O candidato criticou as jornadas que os motoristas tem que enfrentar utilizando o aplicativo. Em outro momento, disse que os motoristas são “desligados com um clique” e que “taxistas e motoristas devem ser regulamentados”. Russomanno, em altercação com Haddad, afirmou que o “sobrinho do prefeito trabalha no Uber, então porque esconder os dados” – sobre a não divulgação da prefeitura sobre os números do Uber na capital.
De volta à nacionalização, Fernando Haddad foi questionado sobre o apoio do PT à Lula, e se temia que o partido contaminasse a campanha. O atual prefeito afirmou que “Se alguém é coerente aqui sou eu. Estou há 30 anos no mesmo partido”, e complementou com dados quando foi Ministro da Educação de Lula. O deputado Olimpio Gomes, do Solidariedade, comentou: “Dilma foi ‘impitchada, Lula foi incluído como chefe da quadrilha, e certamente apodrecerá na cadeia que é merecedor”.
Quando candidato perguntou para candidato, temas nacionais voltaram à baila. Haddad questionou Erundina sobre o “congelamento de gastos sociais por 20 anos proposto por Michel Temer” e como a candidata votaria como deputada. Erundina insistiu no “golpe” e que vai votar contra, assim como o aumento da idade de aposentadoria – tema proposto por Haddad no comentário, acrescentando que “A senadora Marta apoia o governo Temer”.
Em um dos momentos mais quentes, ainda com Haddad e Erundina, a candidata do PSOL criticou as Organizações Sociais conveniadas com o governo do atual prefeito. Acusou a prefeitura de “privatizar a saúde e a educação, sendo que o PT sempre se posicionou contra as privatizações”. Haddad defendeu-se afirmando que “é preciso fazer parcerias com o setor privado para cuidar melhor da vida das pessoas”. Na tréplica, Haddad citou Marta indiretamente – “depois de oito anos de Serra e Kassab, que hoje apoiam Marta” – ao dizer que fez “a maior reestruturação da saúde”.
O terceiro bloco foi dedicado às perguntas de internautas. A primeira pergunta, sobre o SUS, quis tirar dos candidatos apenas um sim ou não: “Se você ficar doente, você vai se tratar no SUS? Responda sim ou não. ‘Veja bem’ não vale”.
Luiza Erundina, sorteada para responder, divagou e disse que “vamos congelar os convênios com as OS” e “tirar o SUS das mãos do Estado”. Marta, que comentou, disse que vai “chamar os concursados e colocar 2 mil médicos em especialidades e no Saúde da Família”.
Na pergunta seguinte, sobre educação mais inclusiva, João Doria também divagou. Afirmou que estudou em escola pública e que defende “o ensino integral com aulas de empreendedorismo” – antes afirmou que “as crianças querem informação tecnológica (nas escolas)”. Para comentar, Olímpio Gomes rememorou a PEC 241, que “congela” as receitas para a saúde e educação, e que o partido de Doria “é um dos que mais está defendendo a PEC, que vai arrebentar a educação no país”. Doria insistiu na tese de “bom gestor”, que “não é político” e que “com parcerias público-privadas vamos ampliar as oportunidades nas periferias” – a inclusão proposta na pergunta não apareceu.
Ficou com Haddad a questão sobre segurança urbana. O atual prefeito criticou as ações do governo estadual – “nada funciona” – falou da construção de hospitais pela prefeitura e que a “segurança pública do Estado é um caos, e por isso não vamos nos furtar de fazer o que o governo não faz”. Russomanno, que comentou, disse que é preciso “colocar mais GCM na rua”, e Haddad afirmou que é preciso colocar “inteligência” e que “o Doria falou em eficiência (do governo de Alckmin), mas o governo está há 22 anos só caindo os serviços públicos”.
Entre os momentos “caseiros”, os candidatos debateram o transporte público – com frases-feitas, como “Política social não se mexe, se preserva e evolui” (João Doria), “Vamos fazer novos corredores” (Marta), “Precisamos da descentralização da cidade (Russomanno) e “Vamos dar lógica ao sistema” (Erundina). Marta e Doria compromissaram-se a não aumentar as tarifas, no entanto.
Sobre esporte, Russomanno questionou Olímpio sobre quais medidas tomaria, e citou o projeto Viva em Forma. O candidato do Solidariedade afirmou que “o esporte é o caminho mais seguro para aprender as regras da vida”, mas com um orçamento pequeno, “são propostas inexequíveis, tem que colocar os pés no chão”. Russomanno retrucou, afirmando que isso se resolve com “criatividade” – opção negada por Olímpio.
O tema corrupção ficou com Marta e comentários de Haddad. Os dois “bicaram-se”: ela afirmou que o fortalecimento da Controladoria começou com ela, ao passo que Haddad afirmou que foi ele quem criou o órgão. Marta devolveu, ao citar a CPI do Theatro Municipal e que o “prefeito tentou acobertar a CPI, é um rolo”. Haddad disse que Marta “teve a oportunidade e não fez”, e que recuperou 302 milhões de reais.
Em uma pergunta dirigIda a João Doria, se ele se candidataria ao Governo do Estado em 2022, o tucano encampou a imagem de bom gestor e partiu para o ataque ao PT de Haddad: “O Haddad acusou o meu partido, mas o PT promoveu 12 milhões de desempregados e introduziu a corrupção no país. Eu te respeito, mas você não tem autoridade para falar do Governo”. Marta, que comentou a reposta, disse que é um “sonho voltar a ser prefeita”, além de criticar a tese de gestor de Doria: “o Doria fica falando em gestão, gestão, eficiência. Mas tem que ter coração, tem que saber cuidar”. Doria: “sua gestão não foi bem avaliada, se fosse, seria reeleita”.
Em outro momento, Doria afirmou que “meu modelo de honestidade chama-se Geraldo Alckmin, um homem probo decente e humilde”, diante das críticas de Haddad ao tucano, e que “a diferença entre Lula e FHC é que FHC é honesto” – a plateia ficou em polvorosa.
O debate não rendeu grandes momentos – há o pudor das regras e o comedimento de embates mais duros, ainda que com frases indiretas, sem estar em momentos frente a frente. Entre uma proposta e outra – com frases de efeito, sem propostas claras – os candidatos centraram fogo exatamente na nacionalização – tema que também permeou a maioria das perguntas dos jornalistas da TV Gazeta e do Estadão.
Para quem assiste, o debate – mesmo os anteriores, na Band e na RedeTV! – não serve para dissipar dúvidas ou definir voto. Servem, sobretudo, como exercício de paciência, onde candidatos pregam para convertidos.
Do formato que são, os debates são meras peças de extensão da publicidade dos candidatos, onde uns aproveitam-se da maior exposição – diante dos segundos na propaganda eleitoral – para apresentar ideias e propostas.
Ao final do debate, os candidatos criticaram a nacionalização, mostra a matéria do Estado de S. Paulo. Justamente depois do encontro, longe das câmeras, os candidatos disseram algo realmente interessante em meio a uma eleição que será realizada em menos de duas semanas.
Eleição municipal, que fique claro.
Assista o debate na íntegra: